sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Na Luta do Século, em 1974, Muhammad Ali (Cassius Clay) venceu George Foreman






Duelo dos peso-pesados americanos em estádio com 100 mil pessoas no antigo Zaire, na África, foi assistido por milhões na TV e se transformou em filmes, livros e até em teatro



Imortalizada em documentários, livros e até no teatro, a Luta do Século entre os pesos-pesados americanos Muhammad Ali (Cassius Clay) e George Foreman foi realizada na madrugada do dia 30 de outubro de 1974. Num estádio lotado por 100 mil pessoas, os dois mitos do boxe se enfrentaram em Kinshasa, a capital do Zaire (atual República Democrática do Congo), na África Central. No início do combate, o desafiante Ali apenas se defendeu do agressivo Foreman, que partiu com tudo para o ataque. No oitavo round, Ali começou a desferir uma sequência de golpes de direita e esquerda, todos no rosto de Foreman, e faltando só dois segundos para o gongo soar, ele acertou violento gancho de direta no queixo do rival. Foreman foi à lona em queda livre, sem conseguir se levantar, na sua primeira derrota em 40 lutas.
Acompanhado pela TV por milhões de espectadores ao redor do planeta, o nocaute histórico, que agora completa 40 anos, revelou a técnica e a inteligência de Ali. No início do combate, Ali conseguiu se esquivar dos golpes do adversário, usar as cordas e absorver socos de Foreman. O lutador esperou a hora certa para dar o golpe mortal e recuperar o título de campeão mundial, que lhe havia sido tomado por ter se negado a lutar na Guerra do Vietnã. A recusa tinha uma justificativa: ia contra os princípios de sua religião, a muçulmana, que adotara após conquistar pela primeira vez o título. Foreman ganhou o título em 1972, quando derrotou o então campeão Joe Frazier, este uma das testemunhas da luta na África.
Na verdade, o sempre falastrão Ali, aos 32 anos, suportou os ataques do silencioso campeão Foreman, mais jovem, numa luta em que pesou o clima emocional. Talvez tenha sido a mais cerebral da história do boxe: Ali apanhou à espera do ataque perfeito num momento em que Foreman, mais novo e mais forte, se cansasse ou se desconcentrasse. Para promover o Mundial de pesos-pesados, foi realizado paralelamente até um festival de música, o concerto de soul Zaire' 74. Ele reuniu mitos como BB King e James Brown, num evento produzido também em Kinshasa pelo empresário esportivo Don King.
A luta épica inspirou um documentário que ganhou o Oscar de sua categoria em 1996: "Quando éramos reis", de Leon Gast. Muito antes disso, recebeu um relato apaixonado de Norman Mailer, em "A luta", escrito em 1975. Só para o duelo em si, Mailer reservou três dos 19 capítulos do livro, 32 páginas assombrosas, que acompanham o combate em close e em slow-motion, como num documentário. Nos anos 70, a crônica-reportagem de Mailer foi publicada no país pela Civilização Brasileira e, no fim da década de 90, mereceu um lançamento pela Companhia das Letras, com tradução, posfácio e notas de Cláudio Weber Abramo.
A estrela de Ali, nascido a 17 de janeiro de 1942 em Louisville, no estado de Kentucky, começou a brilhar no boxe uma década antes da Luta do Século. "Eu odeio esse urso velho, grande e feio." O desafio de Cassius Marcellus Clay ao ex-presidiário e campeão dos pesos-pesados Sonny Liston já indicava as provocações que se tornaram marca registrada da era do boxe espetáculo. Aos 22 anos, em 25 de fevereiro de 1964, Clay desafiava um oponente experiente, maior e mais forte, mas menos ágil e menos inteligente. A maioria dos quase 9 mil espectadores duvidava que Clay passasse do primeiro round e se espantou quando o veloz e fulminante soco do desafiante derrubou Liston no sexto round. Liston era o franco favorito por sete contra um na bolsa de apostas, e o vitorioso Clay foi à forra: "Agora comam suas palavras. Ajoelhem-se diante de mim".
Em outubro de 1960, quando estreou como profissional, Clay acabara de conquistar a medalha de ouro nas Olimpíadas de Roma. Em 61 lutas profissionais, perdeu apenas cinco, tendo vencido 37 por nocaute. No mesmo ano do primeiro título mundial, Clay anunciou sua conversão ao islamismo e mudou o nome para Muhammad Ali. Três anos depois, em 1967, foi proibido de lutar e teve seus títulos anulados por se recusar a servir o Exército. A Suprema Corte anulou as punições em 1970, mas Ali perdeu a primeira tentativa de reconquistar a faixa para Joe Frazier e dobrou-se ante Ken Norton, em 73. Em 1974, arrasou Frazier e recuperou o título contra George Foreman. O tricampeão mundial (1964-74-78) Muhammad Ali acabou encontrando seu maior adversário no Mal de Parkinson, doença que se manifestou desde 1982, talvez agravada pelos sucessivos golpes sofridos ao longo da carreira.
Duas décadas depois da derrota para Ali, Foreman deu a volta por cima e reconquistou o tão sonhado cinturão dos pesos-pesados. Hoje conhecido pelos jovens mais como o símbolo de uma marca de churrasqueiras com seu nome, o boxeador apareceu para o mundo do esporte nas Olimpíadas do México, em 1968, onde se sagrou campeão. Após ganhar o título mundial derrotando Frazier em 1973, para depois perdê-lo para Ali no ano seguinte, em Kinshasa, em 1977 ele parou com o boxe e decidiu se dedicar às atividades de pastor em Houston, no Texas. Dez anos mais tarde, pobre, por ter perdido todo o dinheiro ganho nos ringues em projetos de sua igreja, ele voltou ao boxe. Em 1994, Foreman venceu Michael Moorer para se tornar, aos 45 anos, o mais velho campeão mundial da história. Desde 1997, quando novamente parou, trabalha como pastor e garoto-propaganda.
De todas as conquistas, Foreman escolhe a medalha de ouro olímpica de 1968 como a maior. Na época, aos 19 anos, ele foi contestado por outros atletas olímpicos negros americanos por não ter aderido aos protestos do Black Power (que exigia igualdade de direitos entre negros e brancos nos Estados Unidos). “O ouro olímpico foi a conquista mais importante. Não estava lá para fazer política”, afirmou em visita ao Brasil. Como pastor e pai de dez filhos, ele cita seu exemplo de menino pobre.
— Digo aos jovens do Brasil que nunca desistam de seus sonhos, mesmo que se envolvam com drogas ou sejam presos. Mas nunca desistam. Caí, mas continuei a sonhar. Você pode ascender da pobreza para ser alguém — disse.


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